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Mais um capítulo da Guerra Fiscal

1. – RETROSPECTIVA

Todos nós lembramos do post aqui publicado, abordando o Protocolo 23, de junho de 2009, no qual acordavam os Estados de São Paulo e Espírito Santo que o recolhimento da alíquota do ICMS deveria ser feito para o Estado onde se situasse o ADQUIRENTE, no caso de uma IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM DE TERCEIROS.

Muitos aspectos inconstitucionais, ilegais, infralegais, e etc, foram levantados por nós naquele trabalho e, hoje em dia, outros tantos já se manifestaram abordando outros tantos itens que maculam de vez aquela manifestação do Poder Executivo dos dois Estados.

Já naquela época dizíamos que não se poderia antever com certeza quais as conseqüências, pois com uma “aberração” como este Protocolo é impossível prever qualquer coisa.

De fato tivemos reações as mais diversas. Temos clientes que foram intimados a apresentar todas as suas Declarações de Importação de produtos provenientes do Espírito Santo, foram autuados e, pasmem, foram totalmente exonerados pelo Tribunal de impostos e Taxas do Estado de São Paulo.

O embasamento é o entendimento exatamente diverso do Fisco Paulista sobre o art. 155, § 2o, I, da Constituição Federal:

“O ICMS é devido no domicílio  ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”

O Fisco de São Paulo sempre entende que por domicílio ou estabelecimento do destinatário significa dizer o adquirente no mercado interno dos bens ou serviços, isto é, o cliente da empresa importadora, no caso de uma importação por conta e ordem de terceiros.

Ao contrário deste senso, tanto o Supremo Tribunal Federal, quanto o Superior Tribunal de Justiça, e agora o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, entendem que a Constituição fala do DOMICÍLIO JURÍDICO E NÃO QUALQUER DOMICÍLIO COM CONOTAÇÃO ECONÔMICA OU OUTRA.

Por domicílio jurídico, numa explicação bem rápida, o STF estabelece ser a localização da sede da empresa que constar como importadora na Declaração de Importação. Assim, o recolhimento dos Tributos Aduaneiros deverá ser feito ao Estado onde ele estiver localizado, NÃO IMPORTANDO ONDE A MERCADORIA FOR DESEMBARCADA OU DESTINADA.

2. – PROJETO DE LEI 244

Motivado por tantas contestações, nosso eminente Governador, condoído pela situação que seu Protocolo causou, remete à Assembléia Legislativa de São Paulo, o Projeto de Lei 244, com o seguinte teor:

PROJETO DE LEI No 244, DE 2010 Mensagem no 037/2010, do Sr. Governador do Estado São Paulo, 23 de março de 2010 Senhor Presidente Tenho a honra de encaminhar, por intermédio de Vossa Excelência, à elevada deliberação dessa nobre Assembleia, o incluso projeto de lei que reconhece os recolhimentos de ICMS efetuados em operações de importação por conta e ordem de terceiros, na hipótese em que especifica.

Portanto, o Projeto de Lei em questão tratará do RECONHECIMENTO DE LEGALIDADE DOS RECOLHIMENTOS DE ICMS EFETUADOS EM OPERAÇÕES DE IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDE DE TERCEIROS, é o que parece. Vocês verão que não é bem assim. E continua a justificativa da mensagem:

A medida decorre de estudos realizados no âmbito da Secretaria da Fazenda, e encontra-se delineada, em seus contornos gerais, no Ofício GS-CAT n° 127/10, a mim encaminhado pelo Titular da Pasta, texto que faço anexar, por cópia, à presente Mensagem, para conhecimento dessa ilustre Casa Legislativa.

Enunciados, assim, os motivos que embasam a propositura, solicito que a sua apreciação se faça em caráter de urgência, nos termos do artigo 26 da Constituição do Estado.

Reitero a Vossa Excelência os protestos de minha alta consideração.

José Serra GOVERNADOR DO ESTADO A Sua Excelência o Senhor Deputado Barros Munhoz, Presidente da Assembleia Legislativa do Estado. São Paulo, 12 de março de 2010. OFÍCIO GS-CAT N° 127/2010 Senhor Governador,

Tenho a honra de cumprimentá-lo e ao ensejo submeter à alta deliberação de Vossa Excelência a inclusa minuta do ante-projeto de lei que reconhece os recolhimentos de Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Pres- tações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS Efetuados em operações de importação por conta e ordem de terceiros, nas quais o importador esteja localizado no Estado do Espírito Santo e o adquirente esteja localizado no Estado de São Paulo, que tenham sido efetuados em desacordo com o disposto no Protocolo ICMS 23, de 03 de junho de 2009.

Chamamos sua atenção para este ponto do Projeto de Lei. Ele reconhece somente o ICMS recolhido nas operações onde o importador ostensivo esteja domiciliado no Espírito Santo e o adquirente esteja locado em São Paulo. E as outras operações são ilegais? E os outros Estados onde se realizam todos os dias operações de importação por conta e ordem de terceiros terão tratamento diferente?

A justificativa da mensagem continua:

O ICMS incidente nas operações de importação cabe o ao Estado “onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”, de acordo com o disposto no art. 155, § 2o, I, da Constituição Federal.

No caso da chamada “importação por conta e ordem de terceiros”, o Estado de São Paulo, por meio da Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda, sempre se posicionou no sentido de recolhimento do ICMS relativo à operação deveria ser efetuado pelo estabelecimento importador em favor do Estado de localização do adquirente. Nesse sentido foi publicada a Decisão Normativa CAT-3, em 20 de março de 2009.

Havendo concordância do Estado do Espírito Santo quanto a esse entendimento, esse Estado e o Estado de São Paulo assinaram o Protocolo ICMS 23, de 3 de junho de 2009, passado a haver tratamento uniforme dessas operações em seus territórios. Restava, porém, dar solução às pendências existentes em ambos os Estado, decorrentes de interpretações divergentes adotadas por inúmeros contribuintes.

Às vezes nos questionamos: como é que o Espírito Santo foi concordar com esse entendimento, ou seja, de que o ICMS no caso em exame é devido ao Estado de São Paulo nas operações por conta e ordem

Então, pelo esclarecido pelo Sr. Governador de São Paulo nestes motivos do Projeto de Lei trata-se somente de SOLUCIONAR OS CASOS PASSADOS AINDA EM JULGAMENTO DE SUAS AUTUAÇÕES, DECORRENTES DA DIVERGÊNCIA DE INTERPRETAÇÃO ATÉ HOJE.

Significa dizer que, após a publicação desta Lei, não haverá mais divergência de interpretação e todos os casos de importação por conta e ordem, com recolhimento do ICMS para o Espírito Santo, serão autuados no território paulista. Aliás, alguns fiscalistas de plantão poderão até interpretar que caberá a autuação nas operações posteriores ao Protocolo assinado entre os Estados, já que o anteprojeto fala expressamente deste veículo normativo.

É o que se busca fazer com este projeto de lei, que reconhece os recolhimentos de ICMS efetuados nas operações pretéritas de importação por conta e ordem de terceiros, na hipótese em que específica.

Importa salientar que está prevista a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários até as datas previstas no cronograma, momento em que ficarão definitivamente reconhecidos os respectivos recolhimentos, desde que não seja denunciado o Protocolo ICMS 23, de 03 de junho de 2009.

3. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Conforme se viu, o projeto de Lei 244 quer ter somente o efeito retroativo; atingir as operações anteriores à sua publicação, isto é, as operações de importação efetuadas após a sua publicação serão consideradas ILEGAIS E DEVERÃO SOFRER AUTUAÇÃO POR PARTE DO FISCO PAULISTA.

Outro ponto a ser destacado é o fato de que o projeto regula somente  as operações nas quais o importador esteja no Espírito Santo e o adquirente em São Paulo. E com relação aos outros Estados? A operação por conta e ordem é nacional, válida para todo o território brasileiro. Terão tratamentos diferentes? Serão consideradas ilegais? Não afronta o pacto federativo? Como fica o tratamento isonômico entre os entes do Estado brasileiro?

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Bem, são questões a serem respondidas a posterior e pelo visto no âmbito do judiciário.

4. TEXTO DO PROJETO DE LEI

Eis um trecho do Projeto de lei em questão:

Lei no   , de    de 2010

Reconhece os recolhimentos de ICMS efetuados em ope- rações de importação por conta e ordem de terceiros, na hipótese em que especifica.

O Governador do Estado de São Paulo:

Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu pro- mulgo a seguinte lei:

Artigo 1o – O Estado de São Paulo reconhece, relativamente às operações de importação de bens ou mercadorias por conta e ordem de terceiros, nas quais o importador esteja localizado no Estado do Espírito Santo e o adquirente esteja localizado no Estado de São Paulo, os recolhimentos do ICMS devido pela importação que tenham sido efetuados em desacordo com o disposto no Protocolo ICMS 23, de 3 de junho de 2009, de acordo com o seguinte cronograma:

Conforme se viu, o projeto de Lei 244 quer ter somente o efeito retroativo, isto é, atingir as operações anteriores à sua publicação. Isto é, as operações de importação efetuadas após a sua publicação serão consideradas ILEGAIS E DEVERÃO SOFRER AUTUAÇÃO POR PARTE DO FISCO PAULISTA.

I – em 1o de junho de 2010, os recolhimentos efetuados até 31 de maio de 2005;

II – em 1o de junho de 2011, os recolhimentos efetuados entre 1o junho de 2005 e 31 de maio de 2006;

III – em 1o de junho de 2012, os recolhimentos efetuados entre 1o junho de 2006 e 31 de maio de 2007;

IV – em 1o de junho de 2013, os recolhimentos efetuados entre 1o junho de 2007 e 31 de maio de 2008;

V – em 1o de junho de 2014, os recolhimentos efetuados entre 1o de junho de 2008 e 31 de maio de 2009, desde que decorrentes de operações contratadas até o dia 20 de março de 2009 e cujo desembaraço aduaneiro tenha ocorrido até 31 de maio de 2009.

Parágrafo único – Fica suspensa a exigibilidade dos créditos tributários, constituídos ou não, relativos ao ICMS recolhido na forma deste artigo, até as datas nele previstas, momento em que ficarão definitivamente reconhecidos os respectivos recolhi- mentos, desde que:

1 – não tenha sido denunciado o Protocolo ICMS 23, de 3 de junho de 2009;

2 – lei do Estado do Espírito Santo tenha estabelecido reci- procidade de tratamento na disciplina da matéria.

Artigo 2o – O disposto nesta lei não se aplica às:

I – hipóteses de evasão fiscal, inclusive de simulação das operações ou de falsidade ou omissão no preenchimento dos documentos de importação.

II – operações cujo imposto tenha sido recolhido em favor de Estado diverso daquele em que se localiza o estabelecimento ou o domicílio no qual tenha ocorrido a entrada física da mercadoria ou do bem importado do exterior, em desconformidade com o disposto nas alíneas “d” e “e” do inciso I do artigo 11 da Lei Complementar no 87, de 13 de setembro de 1996.

A Lei Complementar 87/1996 é a famosa Lei Kandir. O artigo e incisos citados pelo anteprojeto estão assim grafados:

Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:

I – tratando-se de mercadoria ou bem:

d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física;

e) importado do exterior, o do domicílio do adquirente, quando não estabelecido;

É deste artigo específico que é tirado o entendimento do Fisco paulista. Não vamos discutir o tema neste post, pois este trabalho tomaria proporções quase de um livro. Em outra oportunidade voltaremos ao tema.

O anteprojeto continua em seu ultimo inciso do artigo 11:

III – operações realizadas por contribuinte que deixar de cumprir a disciplina prevista no Protocolo ICMS 23, de 3 de junho de 2009.

Artigo 3o – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Palácio dos Bandeirantes, aos de de 2010. José Serra

Bem, aqueles clientes que pretendiam continuar com as operações por conta e ordem via Fundap e que aguardavam a publicação deste anteprojeto como se fosse o apanágio para todos os males, devem ter ficado decepcionados.

Trata-se de mais uma atitude do Governo Serra para reforçar sua posição quanto as operações via FUNDAP. Sua assessoria fiscal, certamente lhe apontou as fragilidades para a aplicação dos autos de infração lavrados até então e criou mais esta estratégia.

Como dissemos quando da publicação do Protocolo 23, não existe forma de adivinhar o que vai acontecer daqui pra frente. Porém, o anteprojeto nos deixa antever o cenário que procuramos descrever.

No entanto, somente o tempo nos revelará a verdade.

Haroldo Gueiros

Advogado, Fiscal da Receita Federal durante 20 anos, professor em matéria aduaneira, principalmente nas áreas de classificação tarifária, regimes aduaneiros especiais, despacho aduaneiro e processo administrativo fiscal, Assessor do ICEX – Centro de Estudos das Operações Aduaneiras, Membro do IBEA (Instituto Brasileiro de Estudos Aduaneiros), Autor do livro “Admissão Temporária” (Edições Aduaneiras) e Editor do site Enciclopédia Aduaneira (www.enciclopediaaduaneira.com.br).

Analista de Importação Profissional

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