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Breves considerações sobre a legislação aplicável aos cruzeiros marítimos

É evidente o considerável aumento do fluxo de cruzeiros marítimos na costa brasileira na última década. Em recente estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), encomendado pela Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos (ABREMAR), verifica-se alguns números que comprovam a importância e o grande crescimento da atividade desde a temporada de 2004/2005, sendo que atualmente a mesma vem se consolidando como importante segmento turístico.

Na última temporada (2010/2011) aproximadamente 800 mil passageiros realizaram viagens a bordo de cruzeiros marítimos no Brasil, que contou com 20 navios navegando na costa brasileira. Segundo o estudo efetuado pela Fundação Getúlio Vargas, a movimentação econômica total dos cruzeiros marítimos no Brasil – abrangendo os gastos dos armadores e dos turistas – foi de aproximadamente R$ 1,4 bilhão.

Em seu estudo, a FGV reconhece que “Este tipo de viagem tem sido cada vez mais realizado por brasileiros, não apenas da classe alta, mas também da classe média. O incremento do poder aquisitivo da população, o aumento do consumo e a facilidade de pagamento dos pacotes são fatores que influenciaram positivamente o crescimento da demanda por cruzeiros marítimos”.

Evidente, portanto, que esta atividade possui grande importância na movimentação da economia brasileira, aumentando ano a ano as receitas provenientes do turismo, gerando empregos (lembrando que a Resolução Normativa nº 71 do Ministério do Trabalho e Emprego exige que 25% da tripulação de cada navio seja formada por brasileiros enquanto o navio estiver em cabotagem) e estimulando a entrada e a circulação de divisas.

Os cruzeiros marítimos abrangem uma viagem de lazer completa, agregando além do transporte marítimo com escala em diversas cidades, hotelaria, gastronomia, lazer e entretenimento. Deste modo, os navios de cruzeiros deixaram de atuar apenas como um meio de transporte e se transformaram em efetivos destinos turísticos.

Diante desse crescimento vem  surgindo demandas sobre situações decorrentes da prestação desses serviços, tendo o Judiciário que se manifestar sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei nº 8.078/90). Isto ocorre porque a empresa operadora de Cruzeiro seria tida como fornecedora que presta serviço mediante remuneração e o passageiro-hóspede como consumidor que utiliza este serviço como destinatário final.

Ocorre que Código Civil (CC – Lei nº 10.406/02 e, portanto, posterior ao CDC), possui capítulo específico sobre o Contrato de Transporte. Há assim, entendimento doutrinário no sentido de que o CC tem precedência frente às normas consumeristas, vez que o diploma Civil afigura-se especial diante das regras gerais aplicáveis às relações de consumo, já que o CDC rege, genericamente, as relações jurídicas qualificadas de consumo, sem, entretanto, regular, detidamente, cada um dos contratos específicos de fornecimento ou prestação de serviços.

Em observância aos princípios da lex posterior derrogat priori e lex specialis derrogat lex generalis, e do Princípio da Independência dos Poderes (artigo 2º da Constituição Federal) há sólidos fundamentos jurídicos para suportar a tese de que o CC – lei de natureza especial – deve prevalecer sobre o CDC – lei de natureza geral. No entanto, o entendimento dos Tribunais Estaduais (vez que esta questão ainda não foi analisada pelos Tribunais Superiores) é no sentido de que o CDC rege a relação entre passageiros e armadores.

Considerando o entendimento de que o CDC seria aplicável, o fornecedor de serviços – nos termos do que estabelece o artigo 14 – objetivamente responsável pelas falhas na prestação dos serviços, bastando o consumidor configurar o nexo de causalidade e o dano suportado, não havendo que se comprovar a conduta culposa do fornecedor.

Deste modo, toda vez que o serviço fosse prestado de forma defeituosa, deixando de alcançar aquilo a que se propõe ou não fornecendo a segurança esperada, teria o prestador de serviços o dever de reparar os danos causados, sejam estes patrimoniais ou extrapatrimoniais.

Sendo assim, seguindo esse raciocínio, tendo em vista a responsabilidade objetiva, o CDC apenas desoneraria o prestador de serviço do dever de reparar caso comprovasse que o defeito alegado inexiste ou que teria ocorrido em razão de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, § 3°, I e II).

Por culpa exclusiva do consumidor entendem-se os casos em que a atitude da suposta vítima é a única causa do evento. Em tal situação a empresa de Cruzeiro, aparente causadora do dano, é mero instrumento deste, restando ausente o nexo de causalidade em relação a mesma; uma vez que somente deve responder pelo dano aquele que concorre para sua produção, há a exclusão de responsabilidade do fornecedor de serviços.

Neste mesmo sentido, o liame que une conduta e dano também estaria rompido quando este último decorrer de culpa exclusiva de terceiro. Terceiro é aquele que não possui ligação seja com o prestador de serviços, suposto causador do dano, seja com o consumidor-vítima, estando localizado fora da relação existente entre estes.

Depreende-se que o terceiro em questão deve ser totalmente alheio à cadeia de serviço, não possuindo qualquer relação com o fornecedor, para que este seja exonerado do dever de indenizar.

Entretanto, verifica-se que o artigo 14 do CDC entra em confronto com o artigo 735 do CC, vez que este – em uma primeira análise – estabelece que o fato de terceiro não exclui a responsabilidade do transportador. Portanto, em tal hipótese o CC seria mais favorável ao consumidor do que o próprio CDC. No entanto, entendemos que esta primeira análise não deve prevalecer, vez que a nossa opinião é de que o fato de terceiro não exclui a responsabilidade do transportador apenas em casos de acidente, conforme será abordado abaixo.

Após um exame superficial, a conclusão é de que o fato de terceiro não eximiria o transportador em razão da cláusula de incolumidade inerente aos contratos de transporte, uma vez que se trata de atividade de resultado, existindo a obrigação de finalização confortável e segura do percurso.

Neste sentido, parte da doutrina afirma ainda que o fato de terceiro relacionado aos riscos do transporte – tome-se como exemplo passageiro que cause dano a outro – não seria capaz de afastar a responsabilidade do transportador, recaindo a mesma na teoria do risco da atividade. Contudo, partilhamos o entendimento de que o fato de terceiro externo ao transporte afasta o dever de indenizar, uma vez que equiparado a fortuito externo.

Isto porque o artigo 735 do CC é claro ao estabelecer a que a responsabilidade do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, sendo que um dano causado por outro passageiro, no nosso entendimento, não caracterizaria o “acidente” mencionado no artigo. Em outras palavras, a responsabilidade do transportador não é elidida por terceiro caso o acidente tenha ocorrido em razão da atividade promovida pela empresa ou por ato ilícito de seus prepostos, tendo o transportador o direito de propor ação regressiva em face do causador do dano.

Sendo assim, seguimos o entendimento de que, logicamente, eventos imprevisíveis dentro do atuar regular e normal da atividade, não podem ser, objetivamente, imputados aos prestadores de serviço, porque não são estes seguradores universais, repugnando-se a aplicação da teoria do risco integral. Em conclusão, especificamente no que tange ao contrato de transporte de pessoas, somente podem ser objetivamente imputados ao transportador os danos intrinsecamente ligados à atividade de transporte.

No exemplo utilizado acima, entendemos que a operadora do cruzeiro não responde quando um passageiro causa dano a outro, uma vez que a conduta do passageiro causador do dano não tem qualquer conexidade com o serviço prestado pela operadora (rompimento do nexo causal), é alheia à atividade econômica desenvolvida e tampouco seria previsível; portanto, segundo entendemos, afasta a responsabilidade do transportador. Em conclusão, independente da aplicação do CDC ou do CC, entendemos que o transportador não possui responsabilidade na situação hipotética aventada acima.

Há, ainda, como excludente de responsabilidade os casos de força maior e caso fortuito, os quais são os acontecimentos que escapam a toda diligência, estranhos à vontade do devedor do prestador de serviço, e por assim ser, importam na impossibilidade de cumprimento da obrigação. Essas excludentes são reconhecidas independente da aplicação do CC ou do CDC.

A jurisprudência subdivide o conceito de caso fortuito em fortuito interno e fortuito externo. Por fortuito interno entendem-se os fatos que, ainda que sejam imprevisíveis e irresistíveis, não podem ser considerados inevitáveis, por estarem ligados à atividade desenvolvida pelo prestador de serviço, podendo ser evitados caso fossem empregadas todas as diligências devidas.

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Por assim ser, o fortuito interno, de acordo com a atual jurisprudência, não é capaz de elidir a responsabilidade do fornecedor, uma vez que este constitui um risco assumido voluntariamente por aquele no exercício de suas atividades lucrativas, de modo que poderia e deveria tomar todas as precauções a fim de evitar a ocorrência do dano (risco da atividade).

Fortuito externo são os eventos imprevisíveis e impossíveis de serem evitados ou impedidos, estranhos à organização do negócio, que não guardam qualquer relação com o fornecedor de serviços. Portanto, nestes casos, há o rompimento do nexo de causalidade, restando afastado o dever de indenizar.

Há, por fim, a força maior como excludente de responsabilidade. Este igualmente ocorre em razão de acontecimento que escapa a toda diligência e inteiramente estranho à vontade do fornecedor de serviços. Contudo, para a caracterização deste instituto, o fato deverá ser inevitável advindo de fato superior às forças do agente, como os fatos da natureza.

Essas são breves considerações sobre a legislação aplicável aos cruzeiros marítimos, sendo cediço que o presente estudo não tem a pretensão de esgotar todos os pontos a serem discutidos, o que fica reservado para futuras oportunidades.

Breno Garbois

Advogado especializado em direito marítimo

Analista de Importação Profissional

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